Nos limites da verossimilhança – cenas cotidianas construidas no Photoshop

É verdade que, há um bom tempo, minha rotina de tratamento de imagem se resume a correções de cor/brilho/nitidez, redimensionamentos e aplicações de marca d’água. Mas a fotógrafa Kelli Connell, ao meu ver, estabeleceu um novo parâmetro para que você possa afirmar que seu nível de conhecimento em Photoshop é avançado. Fazendo duas ou mais fotografias diferentes de um mesmo modelo, ela consegue reconstruir cenas que vivenciou, testemunhou ou viu na TV.

Gêmeas? Não!

Em seu site, Kelli afirma que o projeto representa um questionamento autobiográfico sobre sexualidade e o papel dos gêneros que molda o indivíduo no relacionamento.

Mais do que esse auto questionamento sobre polaridades comportamentais intencionado pela fotógrafa, percebo uma oportunidade de observamos a nossa relação com a própria imagem fotográfica e seu caráter de mimese da realidade. Antes de mais nada, é preciso reconhecer a técnica minuciosa e apurada da Kelli em suas colagens, pois é bem difícil, até mesmo para olhos treinados (de fotógrafos e outros profissionais da edição de imagens), identificar em suas imagens os elementos que denunciariam a mesclagem de duas ou mais imagens diferentes. Esta qualidade técnica, por si só, seria terreno fértil o bastante para gerar discussões ferrenhas sobre os limites da manipulação fotográfica e sobre a classificação da fotografia na tríade peirceana da relação do signo com seu objeto (se não entendeu nada da última sentença, veja aqui algumas postagens para compreender um pouco mais sobre semiótica peirceana).

Sério, ainda não consegui enxergar falhas.

Mas vamos complicar as coisas um pouco mais. Muita gente por aí atribui a falta de credibilidade da fotografia na atualidade ao uso indiscriminado da manipulação da imagem, impulsionado pelo desenvolvimento e massificação da tecnologia digital. Há alguns anos, uma boa montagem fotográfica só era possível através do conhecimento técnico avançado de um bom laboratorista, profissional gabaritado para manipular os produtos químicos usados no processo de revelação e cópia ampliada dos filmes fotográficos. Hoje basta ter um celular com câmera digital integrada e acesso à internet (para baixar e instalar uma versão pirata do famoso programa)  para conseguir resultados bem razoáveis em montagens. Dessa facilidade, deriva o mau uso das ferramentas, como o excesso de manipulação e a falta de apuro técnico; uma associação altamente passível de gerar imagens sofríveis. E quando se torna possível comparar resultados diferentes oriundos da mesma ferramenta, derruba-se imediatamente o conceito largamente difundido de que as ferramentas em questão (fotografia digital e programa de edição) são as vilãs da história.

E onde a tia Tereza queria chegar com este parágrafo imenso aí em cima? Ora, na incrível descoberta de que a Kelli digitaliza negativos para recriar suas cenas! Isso mesmo: ela utiliza a fotografia analógica em suas criações. (onde está o seu deus agora, hater?)

Agora, dê mais uma espiadinha nas imagens da Kelli e reflita sobre sua vida.

Gente, é um contra-luz! Ela faz montagem com fotos em contra-luz em plena golden hour!!!

De uma delicadeza sublime.

Vi no My Modern Met. Para conferir mais imagens, clique aqui.

Flederhaus: o local perfeito pra sesta!

Esse projeto concebido pelo escritório de arquitetura Heri&Salli fica na Áustria, mas bem que poderia ter sido criado aqui nas bandas amazônicas do planeta… Afinal, quem vive neste calorão de floresta tropical sabe a necessidade de um cochilo maroto após a refeição do meio-dia, antes do retorno à labuta vespertina.

Espaço público projetado para redes

Imaginem um espaço público como esse em Belém, que maravilha!

Talvez nem precisasse ser um espaço público (e eu não sei se a Flederhaus é pública), já que é costume do brasileiro desprezar iniciativas gratuitas e tratar logo de depredar ambientes assim. Mas se uma empresa privada construísse algo do tipo, com a localização correta e uma boa gestão, o serviço faria sucesso.

Vista interna da Flederhaus

Nada mal, uma sonequinha com vista para a Baía do Guajará, com todo aquele vento gostoso refrescando a tarde.

O “Recanto da morrinha” (gostaram do nome? hehe) poderia contar com as opções de compartimentos climatizados (para quem já nasceu na menopausa, como eu, e não se refresca só com a brisa da tarde) ou simplesmente o janelão aberto, mais natural. Imagino que um quiosque de sorvetes da Cairu também não seria má ideia. Ou quem sabe um daqueles benditos frozen yogurts, para quem prefere uma alternativa mais saudável na merenda.

E na sua cidade, rola construir uma casinha para pendurar redes?

 

Dez descobertas com a primeira DSLR!

Essa dica vai direto para os ingênuos compradores de câmeras “semiprofissionais”, aqueles que crêem poder fazer fotografias geniais tão logo adquiram sua primeira DSLR. O fotógrafo Anees K A deixou no Digital Photography School uma listinha com dez de suas descobertas enquanto desvendava sua recém-adquirida primeira câmera digital modelo “Single Lens Reflex”, e então resolvi trazer pra cá.

[Tradução livre e adaptada da autora do Interpretante Imediato]

1. O que você vê não é o que você vai ter.

Até o mínimo corte entre a cena vista no visor óptico e a imagem capturada faz diferença.

2. Pra ter o que você vê, é preciso entender a luz. Isso demanda bastante tempo, esforço e paciência.

Todos os ajustes relativos à luminosidade da foto precisam ser compreendidos em sua essência. Velocidade do obturador, abertura do diafragma, ISO, luz artificial, reflexos… Muitos itens a serem observados antes do clique.

3. A melhor habilidade que um fotógrafo precisa é antecipação e vivacidade para capturar um momento.

Se quiser as fotos extraordinárias, esteja sempre preparado, e comece a treinar sua mente para antever determinadas cenas logo antes que aconteçam. É um processo natural quando se trabalha um mesmo tipo de fotografia: infantil, casamentos, formaturas, retratos, shows…

4. Há tempo e lugar para cada tipo de equipamento.

Viajar para praias com câmeras e lentes intercambiáveis pode te deixar um pouco tenso. Tenha sempre à mão uma boa e simples compacta, como essa cor de rosa na mão da mamãe =)

5. As melhores fotografias que você vê não são acidentais. São o resultado final de reflexão e planejamento cuidadoso.

 É muito fácil dizer que poderia ter feito tal foto depois que ela está pronta, na sua frente. Também é fácil “culpar” a qualidade do equipamento, ou a sorte do fotógrafo de estar na hora e lugar certos.
6. Superar a inércia de usar uma DSLR não é o bastante. Lembre-se sempre de continuar aprendendo e aprimorando.
7. Ter uma DSLR não justifica o modo manual o tempo todo. O importante deve ser capturar o momento. Explore sua criatividade apenas se a situação permitir.
 Algumas vezes é mais produtivo acionar o modo prioridade para velocidade do obturador, e evitar o risco de perder uma bela foto de esporte ou dos seus sobrinhos lindos correndo no parque.
8. Ainda que você não se dê conta, a maioria das fotos que você vê online passaram por pós-processamento. Dedique um tempo para dominar algumas técnicas, o benefício vem a longo prazo.
 As melhores fotos ainda podem precisar de um retoque no contraste ou nas cores. E isso é tão normal quanto o processamento químico dos tempos da fotografia analógica.
9. Seja paciente com o seu índice de sucesso. Apenas algumas das inúmeras fotografias que você fizer serão úteis.
10. Equipamento caro não significa necessariamente melhores fotografias. Conheça seu equipamento como a palma de sua mão.
Eu, particularmente, ainda resisto um pouco a tirar a câmera do modo Manual.

E você, já fez essas descobertas por conta própria? Ou já descobriu outras coisinhas? Compartilhe nos comentários!

Dicas para fotografar em preto e branco

Pessoal, desculpem-me a ausência prolongada, garanto a vocês que é por excelentes causas do mundo palpável aqui fora. De qualquer forma, não vou me alongar em #mimimi e vamos direto à retomada do ritmo aqui, que este é o primeiro post de 2012!

Recomecemos os post com dicas sobre fotografia trazidas direto do Digital Photography School. Estou com um artigo muito bom na minha pastinha de favoritos há um bom tempo, sobre fotografar em preto e branco. Os leitores antigos já conhecem o esquema, mas não custa repetir: tradução livre e adaptada da autora do Interpretante Imediato.

Bem, muitos fotógrafos da era digital estão acostumados a fotografar tudo colorido, e decidir quais imagens serão convertidas para o preto e branco já na pós produção. Naquela base da “tentativa-e-erro” que o fotógrafo digital está acostumado… Tudo bem, isso não é exatamente um problema. Mas você já experimentou fotografar “pensando em preto e branco”? Aqui vão algumas dicas.

1. Fotografe em cores

A maior parte das câmeras já tem uma pré-definição que nos permite fotografar em preto e branco. Não a use. Pode soar estranho, mas suas fotos monocromáticas podem ser bem melhores se feitas em cores.Uma boa imagem em preto e branco vai exigir pós-processamento, e o padrão da câmara de conversão preto e branco não é tão bom quanto ter a sua própria conversão preto e branco.

Foto feita em cores, convertida na pós produção utilizando filtro verde.

Porém, há uma exceção a esta regra: se fotografar em formato RAW, você pode usar a predefinição preto e branco em sua câmera tranquilamente. Quando fotografa em RAW, a câmera mostra uma pobre conversão preto e branco em seu monitor, mas as informações de cor ainda estão disponíveis no arquivo. Se a sua câmera suporta um formato RAW, eu recomendo usá-lo. Ele vai te dar mais controle sobreo resultado final. Neste caso, a pré-visualização em preto e branco no ecrã da câmara pode ajudá-lo a ter uma idéia de como uma versão em preto e branco pode parecer.

2. Use o menor ISO possível

O ISO 100 me garantiu contornos bem nítidos do casal fotografado em contraluz.

Sabemos que a textura granulada é bastante popular nas fotografias em preto e branco, mas é recomendável que se use o menor ISO possível no momento do clique. Assim como a conversão das cores, o efeito granulado pode ser muito mais interessante quando adicionado na pós-produção, já que o granulado digital não é tão interessante quando o granulado do filme analógico. Porém, é preciso precaução com a velocidade do obturador quando o ISO é mais baixo. É preferível uma imagem mais granulada e ainda nítida do que uma sem ruído mas com um borrão no lugar do assunto.

3. Fotografe em dias nublados

O céu torna-se o mais barato equipamento fotográfico: um grande difusor natural e gratuito para retratos interessantes.

O morador de Belém conhece bem aqueles dias cinzentos, quando temos a impressão que alguém fechou as cortinas do céu, e vemos aquela densa massa cor de asfalto cobrindo o horizonte. Pegue sua câmera e aproveite! São dias perfeitos para fotos em preto e branco, já que a luz é difusa e a transição entre os tons dos difetentes objetos é bem sutil. Se preciso for, pode-se aumentar o contraste da imagem na pós-produção.

4. Aprenda a enxergar em preto e branco

A aparência do mundo é diferente em preto e branco. Quando você aprende a “enxergar” desta forma, começa a perceber de imediato as boas oportunidades de uma foto monocromática. Tente imaginar como a foto vai ficar em preto e branco antes de apertar o botão. É preciso prática, não é muito fácil, mas pode ajudar muito.

Ok, bolo branco + noiva de branco + noivo de preto facilita bastante a pré-visualização de uma foto em preto e branco antes mesmo do clique... Mas deu pra entender o exercício, né?

Procure por formas. Elas provocam sombras que realçam os contornos de um objeto. Se a luz disponível é dura, as sombras também serão. Formas belas podem se perder na profusão de cores, e o preto e branco é ideal para realçá-las. Na ausência das cores, as estruturas ganham mais importância. Use a luz para encontrar estruturas.

O alto contraste em uma fotografia costuma resultar em uma imagem confusa, mas a remoção das cores torna o contraste uma forma de direcionar a atenção ao que você quer realçar.

5. Pegue a câmera e vá fotografar!

Explore =)

*Artigo adaptado do Digital Photography School

Crédito não é moeda, é direito! – Parte 2

Isso mesmo, queridos leitores. Por motivos de força maior, retomarei o espinhoso tema dos créditos da fotografia.

Há pouco mais de um ano, escrevi aqui sobre uma proposta indecente que os fotógrafos ouvem com uma freqüência bem maior do que a desejada: “você nos envia sua foto e nós ainda colocamos o seu nome lá do ladinho, vai ser bom pra divulgar seu trabalho!”

Gente, pelo amor de Robert Capa, o crédito não é um favor, é um direito assegurado por lei! Pra quem não quer ler tudo, vou copiar aqui só o capítulo “Da Utilização da Obra Fotográfica”

Art. 79. O autor de obra fotográfica tem direito a reproduzi-la e colocá-la à venda, observadas as restrições à exposição, reprodução e venda de retratos, e sem prejuízo dos direitos de autor sobre a obra fotografada, se de artes plásticas protegidas.

§ 1º A fotografia, quando utilizada por terceiros, indicará de forma legível o nome do seu autor.

§ 2º É vedada a reprodução de obra fotográfica que não esteja em absoluta consonância com o original, salvo prévia autorização do autor.

Entenderam ou querem que eu desenhe, queridos editores dos maiores jornais da região Norte do Brasil?

Pois muito bem, além de ouvir essa conversa fiada de ceder a nossa imagem em troca do nosso nomezinho ali do lado, ainda há casos em que as fotos são de fato publicadas sem o devido crédito! ISSO É CRIME!

Recentemente tive uma foto minha publicada na versão on-line de um desses “grandes jornais do Norte do Brasil”, com a parte em que coloquei a marca d’água cortada, e com a expressão “Jornal Fulano de Tal/Divulgação” no lugar onde deveria constar meu lindo nome. (veja aqui)

Neste caso específico, o crime se resume à não atribuição do crédito, porque eu havia sido contratada pela artista fotografada, sendo então de responsabilidade dela o pagamento pelo meu serviço prestado. Mas gente, se o relesse da artista já foi enviado com as fotos devidamente identificadas, qual o trabalho de colocar o meu nome, ao invés de “Divulgação”? É MEU DIREITO!

Depois de xingar muito no tuíter (e no feicebúqui), acabaram colocando o crédito corretamente, e me enviando um email pedindo desculpas pelo transtorno. Mas olha, se for pra repetir o erro, não adianta ficar tentando agradar mandando pedidos de desculpas.

Agora o erro foi um pouco mais complicado, por se tratar do jornal impresso da mesma empresa. Não há como corrigir, o jornal foi publicado no último domingo (27/11/2011), e não tem como incluir meu nome ali. Seria o momento de cogitar o acionamento do poder judiciário? Vejam na captura de tela abaixo.

Clique para ver maior

E percebam que as outras duas fotos estão devidamente creditadas. Por que então somente a minha foto caiu na conta do fotógrafo mais rico e requisitado do mundo, o senhor Divulgação?

Percebam que as duas situações tem a raiz em um mesmo problema: ninguém respeita a lei, e isso só acontece por conta da impunidade que impera na nossa sociedade. O crédito que acompanha a foto que eu fiz é um direito meu, não deve ser considerado pagamento pelo meu trabalho, e também não deve ser negligenciado.

Quero saber a opinião de vocês: o que fazer com essa empresa que está sistematicamente me boicotando e prejudicando a divulgação do meu trabalho?

Alguém mais aí já passou por situação semelhante? Quer contar?

Dia Mundial da Fotografia

Pessoa viciada em livros que resolve ser fotógrafa é assim mesmo...

Hoje é o dia mundial da fotografia. Hoje, há 172 anos, a daguerreotipia era anunciada pelo governo francês como um presente para o mundo. De lá para cá, a tecnologia fotográfica mudou incrivelmente, e o que antes demandava grandes equipamentos, muito tempo disponível e conhecimento técnico acerca de todo o processo (da captura à imagem pronta), se tornou automático, simples, e ao alcance de qualquer pessoa.

Mas espera aí, isso significa que qualquer pessoa pode fotografar hoje, tia Tereza? Sim! se por fotografar você entende apertar o botão de uma câmera e ter uma imagem digital ou gravada em um papel.

Então posso comprar uma Canon 7D e fotografar praias e jardins e casamentos e aniversários e vender essas fotografias? Bem, poder você até pode. Mas te adianto que não será fácil.

No dia mundial da fotografia, vamos nos lembrar que fotografar não envolve somente o apertar de um botão. Para fotografar profissionalmente ou artisticamente, é preciso domínio da técnica e sensibilidade no olhar. É preciso conhecer seu equipamento profundamente, a ponto de qualquer ajuste ser feito com naturalidade, como se dirige um carro. É preciso compreender a luz e seus caminhos, pois a fotografia é, essencialmente, o registro dela. É imprescindível ter uma boa bagagem visual no repertório, se acostumar a ver e observar o trabalho de outros fotógrafos. E não ficar só na fotografia, obras de arte também podem nos ensinar muito sobre composição, cor, luz e sombra…

Em suma, a tecnologia hoje permite que qualquer pessoa possa fazer um registro de um momento, um cenário, um encontro, qualquer passagem marcante da sua vida. Mas para ser um fotógrafo profissional, é preciso sempre buscar conhecimento, tanto através da prática como do estudo.

Feliz Dia Mundial da Fotografia!

Volumptuous: Aparador feito à mão

Volumptuous é um aparador verdadeiramente original, uma peça que me testou como um fabricante e me fez sentir desconfortável como um designer.” Com estas palavras, o designer Edward Johnson apresenta seu produto. O que me deixa aliviada, já que realmente não vejo este aparador como um produto de design. Se for enquadrado como peça de arte, ok. Dêem uma olhada no móvel.

Eis o Volumptuous. Peça de design ou de arte?

O fato de ter sido fabricado à mão, ao meu ver, arrasta o móvel da categoria “design” para “artesanato”. Some-se a isto a redução das funcionalidade da peça decorrentes dos relevos decorativos, e temos então um objeto de arte. Talvez até bem interessante para ser definido, como costuma-se dizer no design de interiores, como a peça-chave de um ambiente. Mas convenhamos, fica um pouco complicado conseguir outras peças que harmonizem com um aparador tão cheio de informação visual, não acham?

Além disso, pro pessoal que mora em regiões de umidade relativa do ar em torno dos 90% (olá, Amazônia!), isso tem a maior cara de MDF estragado… Semiótica explica!

Vi aqui.

Cadeira de fósforo.

Minha busca pelo sentido de criar objetos que não inspirem segurança e conforto continua. A mais recente descoberta dessa designer que vos fala é esta cadeira aí:

Curt Chair, por Bernhard-Burkhard. Um desafio, por certo.

A criação é do estúdio suíço de design Bernhard|Burkhard.

Ok, a produção dessa cadeira deve ser incrivelmente simples e barata, mas eu não vejo segurança nela. A bem da verdade, já não me sinto muito segura no modelo que provavelmente serviu de inspiração para essa, a nossa velha conhecida espreguiçadeira. Não bastasse a falta de mais apoio no chão, os designers aplicaram um revestimento anti-derrapante que deixou as hastes com a cara de palitos de fósforo, reforçando bem a sensação de perigo…

Puro conforto, mas sensação de segurança, cadê?

Há que se considerar também as restritas possibilidades de superfícies a serem usadas como apoio para a cadeira; tanto na parede como no piso, deve-se procurar materiais propícios à resistência e atrito. Resumo: uma cadeira para quem gosta de viver perigosamente.

Eu não conheço o projeto da cadeira, a única informação que encontrei no site do estúdio se refere ao uso do material anti-derrapante, e ainda assim, o texto de apresentação do produto sugere que ele só seja usado em superfícies perfeitamente perpendiculares. No entanto, na condição de graduada em design de produtos e, principalmente, de consumidora, eu acredito que os objetos do nosso cotidiano devem não só ser seguros, como transmitir essa segurança visualmente. Nós somos seres visuais, a imagem é a principal fonte de informação para a grande maioria das pessoas. Ainda que tenha sido testado e aprovado, um produto pode não ser bem aceito se der a impressão de fragilidade ou falta de segurança.

Bem, vamos considerar que a Cut Chair não é exatamente um objeto cotidiano, não é mesmo?

Vi primeiro aqui.

Da série “semioticamente paradoxal”: cadeira transparente.

Esta série rende muito pano pra manga, não acham? Talvez pelo sucesso crescente daquilo que, embora seja conhecido como design, eu costumo encaixar na categoria “obra de arte”. É uma discussão recorrente no meio acadêmico, onde estamos justamente para construir conhecimento, a questão dos limites entre design e arte.

Alguns delimitam o design à produção em larga escala, outros costumam chamar “peças de design” àquele mobiliário moderno, criado por grandes nomes cuja assinatura coloca os preços de tais objetos nas alturas. O fato é que o design como conhecemos surgiu com a Revolucão Industrial mesmo, período em que a produção artesanal de objetos foi transformada em um processo com duas etapas distintas: o projeto (esforço mental) e a execução (esforço da máquina). Lembrando que esse é um aspecto referente ao design de produtos, mas que não se aplica, por exemplo, ao design gráfico, que tem uma trajetória diferente e mais antiga.

Pois bem, esse design industrial surgiu para atender a uma necessidade específica de produção de objetos em série. Porém, mesmo priorizando viabilizar os custos da produção em série, muitos desses projetistas tinham sua formação justamente em escolas de belas artes. Pode-se dizer, então, que esse trânsito do design entre a arte e a engenharia tem suas origens confundidas com as origens da própria profissão, e perdura até os dias de hoje.

E aí, com toda essa discussão rolando, eis que me aparece essa poltrona:

Uma fina armação metálica envolta em filme plástico? Aham, senta lá!

Segundo a firma japonesa de design Nendo, responsável pela criação da Transparent Chair, o filme de poliuretano usado na produção da cadeira tem alta elasticidade e capacidade de voltar ao seu estado normal, sendo inclusive usada para embalar instrumentos de precisão e produtos suscetíveis a choques e vibrações.

Tudo bem, ela é bonita, tem um visual clean que cairia bem em muitos estilos diferentes de decoração, mas… Ah, sempre fica essa sensação no ar. Posso mesmo sentar aí? Não vai rasgar esse filme? Gente, os caras dizem que é uma relaxante sensação de estar flutuando. Tenho a impressão de que minha musculatura demoraria um bom tempo para realmente relaxar sobre essa estrutura.

Olhaí, a mocinha totalmente relaxada, toda trabalhada no Pilates...

E você, já quer ou já desistiu de entender como alguém vende essa cadeira? Você acha que o designer de produtos deve se preocupar tão somente com a produção em escala industrial na dicotomia forma/função? Ou cabe também a este profissional criar produtos que nos estimule os sentidos e aguce nossa curiosidade, ainda que sejam pouco funcionais ou tenham preços exorbitantes?

Sobre ética e design(ers)

Um dos blogs de design mais queridos no meu Google Reader é o designices, do Rogério Fratin. Além de fazer resenhas super convidativas sobre apaixonantes livros de design, o cara vez por outra traz uma discussão pertinente à carreira e ao mercado. E um texto recentemente publicado por lá abrange uma temática indispensável na vida de qualquer pessoa, mas que muitas vezes não é devidamente discutida quando falamos sobre o design na comunicação e na criação de produtos: a ética. (Recomendo que você leia aqui antes de continuar)

Me lembro, logo após ingressar no curso de Design de Produtos, de reencontrar amigos da escola e “disputarmos” qual, dentre nós, estava seguindo a profissão mais “importante”.

Era futuro médico dizendo que salva vidas, futuros advogados falando sobre leis e direitos, e eu lembro de ter dito assim: todos vocês querem trabalhar para ter dinheiro, e poder comprar as coisas que nós, designers, projetamos. Na hora nem me dei conta, mas hoje vejo o quanto isso é sério.

Não dá pra dizer que o atual estado das coisas é culpa dessa nossa geração, mas essa nossa geração é quem pode mudar as coisas para um futuro menos consumista, compulsivo e superficial.

Mercado de luxo, onde o design é imprescindível da embalagem à publicidade.

O tão somente uso da palavra “design” em um produto já passa a agregar um valor afetivo a este, de carros a batedeiras, de canetas a eletrônicos.

Não quero entrar no mérito do marketing e da publicidade, mas enquanto designers, vejo a nossa ética exatamente nessa preocupação com o que estamos comunicando. E não é só no design gráfico em peças publicitárias não. A falta de ética no design pode estar também em um produto planejado para durar menos, no uso de materiais pouco resistentes para sua função, ou outro truque qualquer que reduza o tempo de vida útil do objeto em questão. É criar “tendências” de estilos que são ultrapassadas cada vez mais rápido, tornando um celular funcional e útil em um aparelho obsoleto apenas pela troca de uma entrada de carregador.

A ética não pode deixar de ser observada também pelo profissional autônomo/free lancer, desde à proposta de orçamento até a sua relação com os “concorrentes”. Vender um serviço por um preço muito abaixo do mercado não só prejudica o profissional, que não será capaz de gerar lucros (e muitas vezes nem mesmo cobrir os custos), mas também prejudica o mercado, forçando uma queda no valor do design percebido pelos clientes.

E tem uma prática, bem comum inclusive, que muita gente nem percebe como falta de ética: o profissional, ainda sem muita experiência, se passa por cliente e entra em contato com outros profissionais do mercado para descobrir seus preços. Essa prática, além de anti-ética, não é nem um pouco eficiente. Um profissional monta seu preço de acordo não só com o mercado e com sua capacidade e talento, mas também com base nos seus custos operacionais. Se o cara aluga um bom escritório bem localizado, tem equipamentos de ponta, secretária, internet banda larga, conta de energia alta, terceiriza serviço de entrega e faz cursos constantemente, seu preço não pode ser comparado ao de um recém formado que usa o computador da casa e não desembolsa nada para pagar as contas dos recursos que utiliza. Não estou desmerecendo o trabalho do recém formado, é uma questão de custos.

E você, onde acha que a ética não pode faltar?